O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
A rainha Esther e o poder das mulheres no criptojudaísmo
Jayme Fucs Bar
A história de Purim é reveladora do poder oculto feminino. Talvez esse seja o motivo pelo qual o nome de Deus não aparece em nenhum momento na Meguilat Esther. Embora Deus esteja oculto em cada um de nós, pode ser que ele se oculte de uma forma ainda mais especial e sutil nas mulheres.
Nos meus anos de estudo do criptojudaísmo de Portugal, sempre tive uma grande curiosidade de entender como, em algumas condições históricas quase impossíveis de se preservar o judaísmo, a festa de Purim, ou melhor, o jejum em homenagem à rainha Ester era tão sagrado quanto o jejum de Yom Kipur. E Esther ser uma das duas personalidades bíblicas mais adoradas, ao lado de Moisés.
E por quê?
Com a inquisição e a proibição do judaísmo em Portugal, o judaísmo rabínico entrou em colapso total. Porém, graças às mulheres, o judaísmo conseguiu sobreviver nesses tempos obscuros de mais de 300 anos.
Elas tiveram um papel significativo para a sobrevivência e a continuidade do judaísmo, tanto em Portugal quanto no Brasil colonial. Além do mais, a história de Purim, mais especificamente a história da rainha Esther, serviu de referência para essas mulheres, que se tornaram, na prática, os verdadeiros rabinos de sua época.
Se analisarmos a história de Purim, perceberemos que é uma história concentrada no feminino. Durante os terríveis tempos da inquisição, cada homem sabia que tinha uma rainha Esther ao seu lado, e não somente uma parceira, mas aquela que daria continuidade ao legado judaico de seus filhos e de toda a família.
Mesmo nos dias de hoje, há uma rainha Esther em cada casa, e essa é a nossa maior riqueza, a origem do nosso sucesso, pois muito dependemos dela para criarmos os filhos como judeus e judias.
Ainda que os homens pensem que são o Rei Assuero e que saem para conquistar o mundo, é a nossa rainha Esther que vai nos servir de bússola e nos orientar para o caminho correto.
O homem pode acreditar que é o rei Assuero quem controla o seu palácio, mas se ele for sábio, saberá que as pedras e os pilares que sustentam esse palácio são a sua mulher e companheira, a rainha Esther da casa.
Parece que esses conceitos eram muito claros para a vivência do criptojudaísmo em Portugal e no Brasil colonial. Fica a impressão de que as mulheres tinham como referência clara de força e sobrevivência o relato da festa de Purim e a história da rainha Esther.
Esther era uma mulher bonita e atraente. Porém, seu encanto ia além disso. Ela soube ter paciência e calma, foi sábia diante do perigo que ameaçava a existência do povo judeu.
Na verdade, não somente os judeus que viviam na Pérsia corriam perigo, mas qualquer um que vivesse nos espaços dominados pelo rei Assuero.
Esther não temeu e sentiu a necessidade de se arriscar pelo povo de Israel. E assim também provavelmente se sentiram as mulheres judias no período das perseguições religiosas em Portugal e no Brasil. Elas estavam dispostas a fazer de tudo para transformar essa realidade.
Esther usou todos os meios para exercer influência discreta sobre o rei Assuero, que governava 127 países. Da mesma forma, as mulheres portuguesas lançaram mão de todos os recursos existentes para passar o legado judaico aos seus filhos e netos, mantendo-se fiéis ao juramento de jamais perder a fé nas leis de Moisés e guardar o mesmo segredo da rainha Esther.
As mulheres aprenderam muito com a leitura da meguilá. No período da Inquisição, a maior vingança em relação ao Santo Ofício era passar adiante a verdade dessa força, e assim seguir “ledor vador” (do hebraico: de geração em geração). Elas sabiam que o milagre se revela somente por meio da ação humana. Embora Adonai esteja oculto em cada um de nós, foi a sabedoria e os atos dessas mulheres determinadas que ajudaram a manter vivas as tradições de seu povo.
Haman foi enforcado com seus dez filhos em uma árvore. A Inquisição portuguesa que, por mais de 300 anos, perseguiu e tentou aniquilar o judaísmo também terminou enforcada pela História na árvore da ignorância.
Assim como Esther ajudou na redenção de Israel, as mulheres judias portuguesas se dispuseram a lutar por sua descendência em nome do povo de Israel.
Infelizmente muitos integrantes das comunidades criptojudaicas que se organizam atualmente no Brasil e em Portugal (mais especificamente em Belmonte) negligenciam a cultura do criptojudaísmo e seguem somente a tradição rabínica sefaradita ortodoxa. A meu ver, cometem um grande erro em relação à memória e à tradição criptojudaicas, que sobreviveram graças à resiliência das mulheres.
Sem dúvida alguma, as comunidades dos Bnei Anussim, de qualquer que seja a corrente, têm a obrigação moral de garantir um lugar especial para a rainha Esther, que é representada por todas essas mulheres batalhadoras – sem elas, o criptojudaísmo de Portugal e do Brasil jamais teria sobrevivido.
Chag Purim Sameach
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