O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana
I REUNIÃO DE PAIS - 16/02/2011
SONHO DE PAI por Moacyr Scliar, escritor.
Num destes dias, dei uma palestra para o círculo de pais e mestres do Colégio Israelita Brasileiro, em Porto Alegre. Às tantas me perguntaram se eu colocaria o meu filho – que vai fazer dois anos – no colégio. Respondi que sim. E aí me perguntaram o que esperava eu do colégio. É o que respondo agora Talvez seja melhor dizer, primeiro, o que não espero do colégio, e isto pode ser resumido numa frase: não espero, e não desejo, que um colégio judaico transforme o meu filho num ritualista, numa pessoa que cumpre preceitos religiosos sem saber exatamente o que está a fazer, nem por que; numa pessoa rígida, intolerante, voltada para o passado ao invés de estar preocupada com o presente e com o futuro. Não digo que o passado não seja importante. Eu gostaria que o meu filho conhecesse a história judaica e, sobretudo, que a entendesse como parte da história da humanidade. Gostaria que o meu filho soubesse que tudo que aconteceu aos judeus não resultou nem do acaso, nem de um desígnio misterioso; se os judeus foram muitas vezes bode expiatório, isto aconteceu porque foram apanhados no entrechoque violento de forças e interesses contraditórios: feudalismo versus capitalismo, capitalismo versus socialismo e assim por diante. Eu gostaria que estes conhecimentos da História e dos mecanismos que fazem a sociedade dessem ao meu filho sabedoria e tranqüilidade; que o livrassem dos fantasmas da paranóia, doença tão comum entre nós. Eu gostaria que o meu filho tivesse acesso à cultura judaica, tanto por ela ser judaica como por ser cultura. Gostaria que ele tivesse o mesmo prazer e a emoção que eu sinto ao ler os contos de Scholem Aleichem, Mendele e Peretz; as histórias de Isaac Babel e Michael Gold; os livros de Below, Malamud, Bashevis Singer e Philip Roth. Gostaria que ele ficasse extasiado diante dos quadros de Chagall, que gostasse de música Yidish, das canções hebraicas, da dança de Israel. Gostaria, modestamente, que ele lesse o que eu escrevi e que sentisse o judaísmo nos meus próprios livros: gostaria disto, como pai e como judeu. Gostaria que meu filho tivesse bagagem intelectual sem ser pedante; que compreendesse que literatura, música e pintura devem tornar as pessoas melhores – não superiores – que sentir é tão importante como saber. Gostaria que ele aprendesse a chorar como só os judeus sabem chorar, e a rir como nós: aquele nosso sorriso, meio amargo, meio filosófico. Gostaria que o meu filho estivesse solidário com Israel. Que compreendesse o quanto o Estado significou em termos de elevar a dignidade do povo judeu e da magnífica experiência humana. Gostaria que o meu filho tivesse a mentalidade de um Kibutznik, mesmo vivendo no Brasil, ou talvez justamente por isso: gostaria que o meu filho tivesse um ideal e que lutasse por ele, não se sacrificando, porém, a fantasias neuróticas. Gostaria que meu filho não fosse um sectário: que não colocasse, em pólos irremediavelmente opostos, judeus e árabes, israelitas e palestinos. Que soubesse que neste mundo há lugar para todos, é só uma questão de ajuste. Que soubesse que, de cada vez que há uma guerra, alguém lucra com isso. Não sei se é pedir demais em troca da mensalidade escolar. Mas, afinal, a educação tem um componente de sonho enxertado na dura realidade quotidiana. E sonhar não é proibido. As utopias não tiram o ser humano da sarjeta, mas, como lembra Oscar Wilde, permite que olhe para as estrelas. |
Tags:
Caro melamed, este texto do Moacyr Scliar é um típico Manifesto Humanista - modelar da obra e da vida deste grande homem.
Parabéns pela postagem.
Abs.
Elias
Oi Paulo, muito obrigado pelo texto do Moacyr.
Elias, quero descobrir essa fonte que o Paulo está dizendo. Me diga qual é.
Mas, Paulo, não sei se eu estou tão alheio assim a essa fonte. Leia meu post em que falo de Hilel e Shamai.E faça sua crítica, que será bem recebida.
Senti muito a perda do Moacyr. Acho que podemos homenageá-lo com a leitura de "Uma Haggadá para Nossos Dias", no Seder. Vou propor no nosso projeto de Seder no núcleo de SP. Vocês conhecem? Foi publicada pela Shalom no início dos anos 80., e fazíamos em jogral nos seders de minha família, cada um lendo uma parte.
Shabat Shalom
© 2024 Criado por Jayme Fucs Bar. Ativado por