JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Um dos comentários mais comuns que encontramos em relação ao princípio do Livro de Genesis é a pergunta: e antes? Mesmo a teologia judaica que tem por hábito não querer explicitar a realidade para além dos limites da percepção humana, se pergunta: o que havia antes de "bereshit" (do começo)? Uma forma sagaz de fazer e não fazer esta pergunta ao mesmo tempo é querer interpretar o porque da Torá começar com a letra "beit" (segunda do alfabeto) e não a letra "alef" (a primeira do alfabeto).

A resposta mais sagaz ainda, pois contém além da explicação reminiscências da própria pergunta, diz que a letra "beit" é bastante apropriada para iniciar a Torá pois tem sua grafia quase como um quadrado com tres lados definidos e um em aberto. Os lados fechados bloqueiam o que vem antes, o que há para acima e para baixo. A interpretação é clara: a história é deste ponto para adiante… o que há acima e abaixo do nosso tempo ou da História não nos concerne nem mesmo que veio antes do começo.

No entanto, nós sabemos o que veio antes!
O dia de Simcha Torá é um dia de grande revelação. Não é a toa que os mestres chassídicos chamavam atenção para o fato de que a alegria pode ser a mais importante chave para profundos mistérios. Nós dançamos com a Torá e não nos damos conta, como dançamos também com a vida e não nos damos conta, de que dançar revela muito.

O que vem antes de "bereshit bara elohim" (e no início D'us criou…)? "U-le-chol ha-iad ha-chazaka"… E no tocante a tôda a mão forte, e a todos os grandes milagres que fez Moisés acontecer diante dos olhos de Israel". O que vem antes de Bereshit, o início da Torá, é o final da Torá: Ve-zot ha-bracha, o último trecho lido da Torá. Em Simchá Torá descobrimos este incrível segredo: o agora e o depois estão profundamente ao que foi antes. O tempo não é apenas curvo como propõe a física avançada - o tempo se enrola de fins em começos e começos em fins.

Afinal não é esta a experiência das gerações também? Da avó ou bisavó que conta a seu neto ou bisneto, o novo começo, sobre "os grandes feitos ocorridos no passado". Estes feitos onde a "iad chazaka", onde a mão forte de D'us se fez presente, é tudo que resta na memória corroída da velhice. Os nomes, os lugares e a memória próxima se vão e ficam junto com os detalhes do passado longínquo, também as lembranças dos grandes feitos - aqueles onde acreditamos que a "mão de D'us ou da vida" esteve envolvida.

O neto ou bisneto acreditar que a vovó que o tem no colo foi a menina sensual, uma pessoa ávida por conquistas, alguém que tinha medo de vir a crescer, que tinha medo de perder seus pais, que brigou pelo sustento, que alienou-se na preocupação apenas consigo… todas estas pessoas que o futuro guarda para quem é criança a avó ou o avô já foram.

Mas não é para saber que uma criança vem ao mundo. Vem sim para viver, para experimentar por si.

O que é o começo? É o lugar desde onde não faz sentido "saber" o que veio antes, mas o lugar a partir do qual faz sentido viver o que virá depois. Antecipar o que será porque já foi é a componente mais grave da depressão. Saber compreender o processo de "bereshit", o processo de dar inícios porque se deu fim é o grande segredo da própria vida. O shabat é baseado neste conceito: a semana se recria na medida em que a anterior realmente finda. Quando contabilizamos "a mão forte" que se apresentou na semana que passou, sabemos então enxergá-la como tendo sido finda.

Conta uma história Zen que um americano conversava com um Mestre aflito com seu futuro enquanto comia uma tangerina. Ele lhe contava sobre seus projetos para o futuro e o que desejava realizar enquanto arrancava a casca da tangerina e a engolia nervosamente. O americano desejava saber o que o Mestre pensava de seus planos. O Mestre lhe disse: "Não acho nada! Mas acho importante que você faça as pazes com os gomos da tangerina que está comendo. Se você não consegue aproveitar o que está em sua boca como pode fazer projetos para o futuro.

O começo, o bereshit, o início do projeto de D'us é a capacidade de não se perguntar tanto sobre o antes ou mesmo o depois. D'us come bem suas tangerinas, tanto que nos dá o sábado, o descanço como primeiro ensinamento a ser emulado.

Não tenha dúvida de que houve antes. Outros processos se desdobraram e maturaram até que este bereshit, o começo de nossa civilização tivesse surgido. Porém não nos cabe "saber" pois não é da ordem do que experimentaremos. Neste meio tempo, curiosidades saciadas ou não, a tangerina continua muito especial. Infeliz daquele que não a saboreia - este ainda não "começou".
Mas se você é muito curioso mesmo saiba para mistério e terror (duas experiências do saber) que o que veio antes do começo foi um fim.

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Respostas a este tópico

Olá Mariana.

Me perdoe a intromissão, mas achei muito interessante seu questionamento e também muito curioso esse texto do Rabino Nilton Bonder.

Quanto á essa teoria, de que para que se principie algo, necessariamente tenha que ter havido um fim, perceba que tudo à nossa volta respeita uma movimentação cíclica, então, veja que mesmo apartir da criação de algo, já havia uma outra coisa antes.

Ex: Do que é feita uma mesa de madeira? Da árvore. Para que a mesa possa existir, a árvore precisa deixar de existir.

Mesmo no processo de criação do Mundo, quando lemos o relato em Bereshit(Gênesis), percebemos que a partir do primeiro elemento da criação, aquilo que existia, uma Terra sem forma e vazia, deixou de existir para que apartir dali tudo o que estava sendo criado pudesse fazer parte de um todo.

A maioria das pessoas pensam que aquilo que D'us criou simplesmente apareceu, como num passe de mágica. Isso é um engano, já que a própria palavra príncípio, etimologicamente mostra que para se começar necessariamente parte-se de um determinado ponto.

Enfim, isso dá um belo Midrash ( Discussão).

Shalom!

Mariana Ferreira de Toledo disse:

Como assim, o que veio antes do começo foi um fim???? Você sugere que havia outra humanidade?

Mariana,

Perceba a maravilha que é quando conseguimos definir ou conceituar em relação à D'us. Aqui vejo o momento em que muitos acabam se confundindo e duvidando da existência do criador.

Claro! Qual é o conceito de existência que temos? O que é necessário para que algo exista?

Todas às vêzes que fiz esta pergunta, a resposta mais aceita foi: "Que tenha sido criado."

Então ghegamos a conclusão de que D'us não existe, pois, ele não foi criado. ??????

Calma!!! Qual é a definição de infinito? A maioria diz: Aquilo que não tem fim. Mas está errado. Porque infinito é o que não tem começo nem fim, portanto, D'us é infinito! Certo?

Galileu Galilei disse o seguinte;"os atributos igual, maior e menor não têm sentido para quantidades infinitas, mas somente para quantidades finitas."

Sei que essa é uma definição matemática, mas serve muito bem para ilustrar minha teoria, pois, partindo desse príncipio, percebemos que NÓS não possuimos a condição de estabelecermos comparações em relação à D'us.

Como definiríamos o que É e o que EXISTE ?

Afirmo com todas as letras D'us não existe! ELE É ! 

 
Shalom ve Or!
Mariana Ferreira de Toledo disse:

Sim, uma bela discussão... E essa ideia do cíclico também valeria para Deus? Não consigo imaginar o que havia antes de Deus ou o que Ele era antes de ser o Criador do universo. Deus estaria além disso, quero dizer, toda essa movimentação de criar - destruir - criar está debaixo da ação poderosa dEle e depende dEle?

Olá,

 

Para quem quiser se arriscar nesses meandros sobre a existência e infinitude de Deus eu aconselho a leitura da Filosofia Clássica Grega, a Metafísica de Aristóteles é um bom e difícil começo. Quem tiver mais afinidade com o Cristianismo pode tentar a Sumula Contra Gentiles de Tomás de Aquino (Gentiles são os judeus e os muçulmanos), e para quem gosta de idéias mais moderniças pode ler O Ser e o Tempo de Heidegger e O Ser e o Nada de Sartre.Todavia Aristóteles é fundamental para as leituras posteriores.

Seja o que for as idéias quanto a existencia de um ente-sendo deve partir como manóbra didática do seu oposto o não-ser, talvez facilite de forma muito provisória a compreensão do limite humano para a entender cognitivamente Deus, se é que exista essa possibilidade!

 

Abraço.

Ah, a loucura adentra o gênio; o proverbial “ponto” geométrico, o Nada, também adentra o Tudo. A ordem gera a desordem entrópica; o tempo é inexistente, ou mero referencial cinético, o D’us é tudo, o Tudo nos não vemos - e o Nada é grande e o grande Ínfimo. Ah judaísmo, Gente do Livro, sempre tentando tocar o intocável, atingir o impalpável, somos Don Quixotes Cósmicos, sempre a procura do Sonho Inatingível. Mas sendo o inatingível "nada", acabamos por participar do "tudo" e Dele ser parte, ainda assim, não sabemos o processo, mas por vezes o sentimos. Esse eu o meu Midrashinho Mixuruquinha.

ANTES DO COMEÇO Rabino Nilton Bonder

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