Messianismo à portuguesa - Jayme Fucs Bar
Dessa vez, compartilho com vocês um tema quase esquecido e muito pouco divulgado na história judaica: o período messiânico vivido pelos judeus de Portugal (1506-1545). Para isso, apresento uma pequena parte do grande e incrível acervo de documentos históricos que trata desse tema. Espero que apreciem!
Em diversos episódios de nossa história, sempre quando o judaísmo se encontra diante de uma encruzilhada, o povo judeu experimenta uma necessidade messiânica. Com certeza, o que se passou com os judeus de Portugal e da Espanha foi um período extremamente obscuro da história da humanidade.
Não é por acaso que muitos esperavam a vinda de um messias, ou melhor, muitos desses judeus e dessas judias diziam ter fé e esperança na chegada de dias melhores! Imaginem vocês que a crença messiânica fervilhava neste primeiro episódio da Inquisição Portuguesa.
Para começar, falaremos sobre Luís Dias, um simples alfaiate que
vivia na cidade de Setúbal. Ele dizia ter sido incumbido de anunciar a vinda do messias, que estava prestes a chegar para tirar todos os judeus de Portugal e levá-los para a Terra de Israel. A mensagem de Luís Dias era tão forte que as pessoas começaram a crer que ele era o próprio messias, tendo sido apelidado de o “Messias de Setúbal”.
Muitos dos cristãos-novos se colocaram aos seus serviços e sob as suas ordens, o que, logicamente, fez com que, em 1542, Luís Dias, o “Messias de Setúbal”, fosse preso, condenado e queimado na fogueira na cidade de Évora.
Dentro desse mesmo ambiente de desespero e angústia, em 1524 apareceu em Portugal um tal de David Reuveni, que dizia ser irmão de um certo rei José do “deserto de Habor”, provavelmente na Etiópia. Ele tinha uma carta de apresentação firmada pelo próprio papa, o que lhe garantia a possibilidade de andar livremente como judeu em terras portuguesas.
Pelo que parece, David Reuveni era uma pessoa extremamente carismática e conhecedora das leis. Sua chegada causou um furor em Portugal: todos queriam conhecer esse tal de Reuveni e faziam fila para beijar suas mãos, muitos acreditavam que ele era o próprio messias e que a qualquer momento chegaria um grande exército vindo diretamente dos céus para libertar os judeus de Portugal.
Reuveni terminou preso e submetido à Inquisição na cidade espanhola de Llerena, na Espanha. Não se sabe exatamente
o que aconteceu com ele, mas é provável que David Reuveni tenha sido queimado na fogueira ou morrido no cárcere da Inquisição.
Outra figura de extrema importância foi o sapateiro de Trancoso,
Gonçalo Annes, mais conhecido como o Bandarra, um grande conhecedor do Velho Testamento e criador de trovas de conteúdo messiânico, suas obras eram muito procuradas e lidas entre os cristãos-novos. As trovas de Bandarra ganharam grande projeção por todo Portugal. Gonçalo Annes foi preso e condenado pela Inquisição em 1541, tendo sido libertado sob a condição de não mais interpretar a Bíblia. Seus escritos foram censurados, mas continuaram a circular de forma clandestina em muitas casas de cristãos-novos.
Talvez a pessoa que teve maior impacto na vida dos cristãos-novos
da região de Trás-os-Montes tenha sido Lourenço Álvares, que era visto como o “Rei do Messias”. Ele vivia numa pequena aldeia chamada Freixo de Espada à Cinta, onde ocupava um cargo muito importante para toda a região, desempenhando a função equivalente à de diretor-geral das finanças.
Álvares era uma pessoa muito culta e admirada por todos, pois tinha um grande conhecimento de matemática e também era um místico judeu, que ensinava aos cristãos-novos que Jesus não era o messias e que o messias ainda estava para vir. Segundo Álvares, o messias só chegaria no ano de 1542: quando lhe perguntavam como ele sabia essa data, respondia que isso estava escrito nos livros sagrados.
Lourenço Álvares foi preso em 1533 e encaminhado para Évora, onde foi condenado ao cárcere perpétuo.
Porém, graças ao seu grande conhecimento matemático, foi empregado no serviço da Corte portuguesa até o fim da sua vida.
Nesse ambiente messiânico, muitas histórias e lendas surgiram como parte dos segredos guardados pelos cristãos-novos. Muitos desses relatos contam que o messias já tinha chegado e que o papa o havia encarcerado numa prisão dentro do próprio Vaticano, mas ao lado do messias estava o Anjo Gabriel, que serrava as correntes aos pés do messias. Assim que as correntes fossem quebradas, o messias sairia voando até Portugal para libertar todos os judeus e levá-los para Sion, a Terra de Israel.
Fontes:
PESSOA, Luis Sá. A inquisição no Teixoso. Lugar do termo da Vila da Covilhã. Portgal: Orfeu; Bruxelas:
Judeus em Trás-os - Montes » de António Júlio Andrade, Maria Fernanda Guimarães - Âncora Editora