JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Reflexões sobre Purim, o Japão e o Judaísmo Humanista

Estamos às vésperas de Purim, a data no calendário judaico em que comemoramos uma vitória contra o antissemitismo. Purim tem, para mim, também o significado da repulsa a todos os tipos de antissemitismo em todas as gerações. Para mim não é dia de festa, pois na maior parte dessas ocasiões os judeus não tiveram uma rainha Ester que tivesse acesso ao poder.

É para mim um dia de reflexão sobre a ilusão do acesso privilegiado circunstancial ao poder, e sobre a necessidade de empoderamento maior de um grupo social no sentido de se proteger contra agressões cometidas por pessoas individuais ou pertencentes a grupos intoxicados pelo ódio e pela intolerância.

Não gosto de Purim. Me sinto mal ao pensar em morder aquele doce delicioso, o Humentasch, com passas e nozes, mas que está associado a uma simbologia bárbara, do revanchismo típico do “olho por olho”, aquela de comer a orelha de Haman (“Humen” é a pronúncia de Haman em idishe, e o tasch significa orelha). Me faz pensar no Fernandinho Beiramar, que se vangloriava de arrancar com os dentes as orelhas dos seus desafetos. Embora deseje do fundo do coração que vão para o Inferno os Hitlers, Gaddafis, Ahmadinejads, Chavez, e outras pessoas de mau caráter que nós judeus também temos (Avigdor Liberman é só o primeiro nome que vem à mente), e queira distância de todos que alguma vez mostrem qualquer tipo de amizade ou admiração em relação a essas pessoas, EU NÃO DESEJO QUE NINGUÉM LHES COMA AS ORELHAS.

Não gosto de Purim porque teria sido o primeiro Holocausto. Não ter sido o primeiro é motivo para alívio, mas em algum momento histórico perdido no tempo aconteceu o primeiro, e foi seguido por muitos outros, até chegar à Shoá, causada não por um único Haman, mas por uma sociedade doente que o produziu. E incluo nessa série de holocaustos, que eu gostaria de ver celebrados em conjunto, aqueles da Bósnia, de Ruanda, do Camboja, dos armênios na Turquia, dos índios norte-americanos e brasileiros, dos Gulag´s de Stalin, dos 20 milhões de soviéticos mortos na Segunda Guerra, dos palestinos de tantas aldeias destruídas (ainda hoje), dos 20 milhões de negros vítimas do tráfico negreiro que vicejou durante séculos e nem porisso é menos triste. Corrijam-me nos números os historiadores.

Purim é para mim um momento de reflexão sobre a doença social que produz Haman´s e as multidões que os seguem cegamente. Não merece um carnaval de máscaras, e sim meditação sobre o mal que existe em cada um  e em todos nós, e que pode um dia nos cegar perante a injustiça. Um dia para a celebração da responsabilidade individual e do livre arbítrio.

Purim teria significado digno de eu celebrar, se revelasse às crianças e jovens esse livre arbítrio que nos leva a honrar também o bem que existe naqueles que estão no lado opressor e se rehumanizam na compaixão e na prática da justiça a qualquer preço.

O Purim do "olho por olho" eu não consigo celebrar. 

Celebraria se pudéssemos o nosso Purim a todos os outros povos vítimas de genocídios, intolerâncias, e também de desastres causados pelo próprio homem, como a tragédia em Fukushima, que além dos sentimentos de compaixão nos traz a consciência da arrogância, a “hubris” das tragédias gregas. Fukushima poderá ser um dia Angra. Golfo do México poderá ser um dia Juqueí até Itanhaém. Há responsabilidades individuais e coletivas em cada um desses acontecimentos. Purim me leva a refletir sobre isso e sobre a parte que me cabe no latifúndio do nosso Tikkun Olam, o termo hebraico para o dever judaico supremo de cada um e de todos: a “cura do mundo”.

Purim é o dia em que eu gostaria de celebrar a responsabilidade individual de todo e qualquer ser humano pelos direitos humanos de todos os demais, e pelo planeta em que vivemos. Meu herói em Purim seria o chefe Seattle cujas palavras nos foram trazidas pela Marcelinha, de 14 anos, que adotei como afilhada.

Um Purim humanista seria antes de tudo universalista, e poderia estar associado à Alameda dos Justos do Yad Vashem, onde temos, nós judeus, um patrimônio moral da humanidade que é a capacidade de reconhecer os Justos de todas as nações. E que é a prova histórica de que a única forma de termos segurança e paz é agindo no sentido de que todos os seres humanos tenham segurança e paz.

Agnóstico que sou, mesmo assim busco o Poder da Oração ensinado pelo monge budista Thich Nhat Nhan,dirigindo  as energias do pensamento e do coração neste Purim, para que Obama e Dilma tenham boas conversas, e para que Obama e Dilma digam algumas poucas palavras decisivas a Netanyahu, e que possam resultar, como acredito que podem, numa guinada que nos faça desviar do precipício. Acredito nas palavras. Poucas palavras poderão ser suficientes. Está em tempo.

Por que Dilma? Porque acho que o Brasil deverá adotar Gaza.

Oxalá eu possa estar alegre no Purim em 2012.

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Comentário de sueli rivkah vieira em 20 março 2011 às 22:09

incrivel  sua reflexão, fez com que olha-se de forma diferentes tais fato , acredito e seria isso que passou com sua reflexão, levar outor a refletirem sobre o tema e mostrar sua opinião 

Parabens! Sueli

 

Comentário de Sérgio Storch em 20 março 2011 às 12:29

Sim, Ângela, o Brasil deve adotar Gaza. Nada de messiânico. Ou talvez sim, algo de messiânico, já que as coisas nunca são tão separadas assim. Mas neste mundo o motivo principal é o interesse. O segundo talvez seja a vocação. E o messiânico, se pensarmos na perspectiva da espiritualidade que existe por aqui, é o seguinte: somos o país das grandes sínteses (basta mencionar uma: a Amazônia, que nada tem a ver com o Oriente Médio, mas que tal lermos a Amazônia de forma cabalística, como sendo a antítese do deserto e o reino da vida?). Para ir um pouco mais longe nesse devaneio que eu sei que você curte, leia o artigo da Marcelinha com o texto do chefe Seattle, o meu herói de Purim. Sacou, querida?

Agora espere um pouquinho, que vou demonstrar no meu blog por a+b os dois pontos principais acima - o interesse e a vocação - que são o que move este mundo terreno (seu querido amigo resolveu dar um passeio pelo mundo dos mistérios em que você é mestra, hehehe).

Um beijinho na alma

Comentário de Angela R. C. Nespoli em 19 março 2011 às 17:40

Sergio...O Brasil devera adotar Gaza? O Brasil tera uma especie de atitude messianica? Poderia falar mais sobre esta sua tese?

Mas, por favor, nao receba como uma provocaçao: Sameach  Purim!!! Com todas as reflexões nelas pertinentes...

bj doce!

Comentário de Sérgio Storch em 19 março 2011 às 16:11

Marcelo, puxa, você me fez ficar aliviado. Algumas das reações ao meu post, ontem no Shabat, foram de recusa total (somente algumas). Aí me pus a pensar: será que fui iconoclasta demais?

Suas palavras me tranquilizaram.

Aí você disse: "sou um seguidor das idéias do Rebe Mendele de Kotski que um dia disse assim: "O verdadeiro Tsadik é aquele que cumpre os mandamentos em segredo  e peca em público"!

Maravilhoso. Eu gostaria de aprender a situar ensinamentos como esse em um fluxo histórico do judaísmo humanista, pois, claro, não somos nós que o estamos inventando. Que tal começarmos a fazer uma genealogia das ideias do JH?

Por coincidência, na contação de histórias que tivemos no Shabat anterior, a Analu Lacombe contou essa frase desse rabino (pra quem quer o nome completo: Menachem Mendel, de Kotsk), que pelo jeito foi um Mestre pra ganhar prêmio Top of Mind:

"Se eu sou eu porque eu sou eu

E tu és tu porque tu és tu

Então eu sou eu

E tu és tu

Porém...

Se eu sou eu porque tu és tu

E tu és tu porque eu sou eu"

Dá pra disputar o Top of Mind da poesia com o nosso Fernando Pessoa, não dá?

 

By the way, que tal você pensar em vir com toda a família passar o fim de semana de 16-17/4 aqui? Estamos pensando fazer um Seder antecipado, no domingo, pra não competir com os Sedarim familiares. Ponha em votação em casa.

Comentário de Marcelo Barzilai em 19 março 2011 às 14:41

Meu Compadre e Grande AMIGO!

Quero que saiba que gostei muito da forma como colocou a sua indignação. Normalmente as pessoas entusiasmadas com a tradição esquecem que  Purim, antes da celebração merece uma reflexão profunda. Durante a semana, quando lia a Meguilát de Esther, não pude deixar de pensar nos tantos momentos em que nosso povo foi vítima ( e não posso deixar de mencionar meus antepassados Sefaraditas) e não tivemos a mesma sorte de termos uma situação parecida com o tempo de Esther. Confesso aqui meus sentimentos egoístas, quando deixei de pensar nos outros povos que também foram tão perseguidos e massacrados  quanto os judeus ao longo da história da humanidade. Por isso quero te agradecer por ter me feito lembrar que durante a Festa que celebramos ontem aqui no JH do Paraná, poderíamos tê-la feito ainda muito mas humanista se tivessemos mencionado esse tipo de reflexão.

Agora ví que tenho sido responsável por uma mentalidade  voltada ao Tikun Olam, quando vejo minha filha falando do Chefe Seattle e mais ainda quando, ontem, não entendi muito bem porque a maioria das pessoas da nossa comunidade não quiseram nem tocar nas Osneihaman(Orelhas de Haman).

Fico mais feliz ainda por lembrar agora que tenho Você e tantos outros do JH dispostos a falar de coração aberto, sem a hipocrisia comum à tantos que às vêzes com a intenção de fazer média não falam o que pensam.

Não sei se já te falei, mas sou um seguidor das idéias do Rebe Mendele de Kotski que um dia disse assim:

" O verdadeiro Tsadik é aquele que cumpre os mandamentos em segredo  e peca em público"!

Podemos comemorar este momento: Esse teu texto vai mudar a sorte de muita gente!!!

Shalom veOr meu AMIGO e COMPADRE!

Comentário de Hilton Barlach em 18 março 2011 às 20:07

Sérgio... vc tá muito pessimista... o Purim é muito divertido!!! Adoro quando todo mundo faz aquela barulheira quando se lê "Haman"...

quanto à Dilma e Obama... aí vc tá otimista demais... não vai rolar nada, só retóricas e cortesias de praxe...

Comentário de NELSON NISENBAUM em 18 março 2011 às 16:02
Arrebatador...

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