JUDAISMO HUMANISTA

O Judaismo Humanista é a pratica da liberdade e dignidade humana

Uma Arquitetura do Tempo Ou Sobre Ritos e o Judaísmo Humanista.

Paulo Blank.

Diferente das construções de pedras, vidros coloridos e torres buscando alcançar o céu, as catedrais do tempo são construídas de corpo e alma. A sua matéria são os sentimentos, a mente, o gesto suave flutuando no ar diante de duas velas, a percepção de si mesmo num determinado segundo, o cotidiano da vida humana que se abre como uma cortina e nos faz ver o extraordinário no meio de um dia comum, a experiência de um aqui e agora tão intenso que o passado é subitamente atravessado por um pressente inesperado que funda num repente uma nova realidade tão momentânea quanto um anjo súbito ou um raio de luz.

Quando garoto, a passagem para este lugar se dava quando a avó desfazia malões e deles retirava talheres e porcelanas salvos da Europa preparando a chegada do Paissech. Os talheres e as louças anunciavam que outro tempo se instalava lentamente em cada canto da casa. Outra luz preenchia o lugar. Nas latas de óleo do pequeno quintal, lírios brancos floresciam. Até hoje os reconheço quando passo por algum destes jardins que enfeitam as calçadas. Fui aprendendo que uma realidade diferente estava sendo construída no meio dos afazeres do dia a dia. Construir catedrais de tempo é talvez a marca maior do gênero humano. Resistir a eles também.

Virar a ampulheta ou dar corda no relógio, cuidar da passagem das horas, faziam do homem um artesão do tempo. Enquanto isso o Shoppingtempo de hoje em dia desconhece domingos e feriados criando uma continuidade virtual de uma vida sem intervalos. Dentro deles, protegidos da luz solar, os caminhantes passeiam por corredores iluminados onde o ciclo do dia é determinado por lâmpadas que, se assim for decidido, nunca se apagarão. Na Disneylândia, mundo onde domina a irrealidade de um cotidiano construído de alta tecnologia, festeja-se a cada dia um novo reveillon como se finalmente tivéssemos alcançado o poder de congelar a passagem dos dias. Um mundo eternamente alegre onde a lua e o sol não fazem mais diferença. Eis o sonho maior de uma humanidade sempre correndo atrás da Torre de Babel.

Um dia perguntei à minha filha Thaís, naquela ocasião ela tinha uns dez anos, se acreditava em Deus. Sábia, a menina, ao invés de afirmar ou negar, ela me respondeu que acreditava nas crenças. Crer nas crenças é o mesmo que dizer que os ritos transportam uma verdade fora do mundo das racionalidades. Crer nas crenças é dispor-se a compartilhar afetos, ser parte de um mundo que não olhamos de fora com telescópios ou máquinas de medir.

Arquitetos do tempo é através de ritos que resistimos ao apelo massificador da sociedade tecnológica. Toalhas de mesa, velas, candelabros, cânticos e meditações, transformam-se nos portais para as catedrais invisíveis onde percebemos as nuances, os afetos e as sensações que geralmente não nos damos conta no tempo do cotidiano.

É da mente humana buscar a mesmice, ela nos oferece segurança e proteção. Os budistas chamam de apego a esta tendência de agarrar-se às coisas e aos sentimentos. No entanto, os ritos que constroem as catedrais de tempo não são mesmices repetitivas e sim portas para o pertencimento a uma totalidade viva e intensa. Percebê-la, é fazer parte do tempo e de sua infinita dança de formas e sentidos.

O ritual é um destes portais de tempo que juntam o passado e o presente numa experiência emocional momentânea que não depende da religião oficial que lhes deu origem. Poder celebrar as festas do ciclo de vida judaica.algo como realizar um casamento recitando as sheva brachot e vendo a noiva deslizar alegremente ao redor do noivo, é muito mais afirmativo e emocional do que buscar artificialmente a inovação através de um rito que nos desconecta de um rio de tempo ao qual buscamos pertencer por desejo e direito.

Fazer do ritual a porta aberta para a experiência de um tempo judaico é afirmar o nosso pertencimento e negar qualquer direito de exclusão. Por outro lado, criar novos rituais para construir através deles uma identidade desnecessária pode bem ser construir a exclusão de si mesmo como maneira de afirmar-se e, ao mesmo tempo, concordar com todos aqueles que definem quem pode ou não praticar a experiência temporal judaica. É dizer sem declarar que no fundo não nos sentimos no direito de vivenciar um determinado rito que o poder oficial julga ser seu privilégio.

Posturas deste tipo podem muito bem ser um ato político dentro de uma luta política em Israel, mas desnecessárias e distantes de nossa própria realidade. Afirmar-se ateu, construir sinagogas e designar rabinos laicos mais do que uma possível necessidade de uma comunidade, quando se trata do estado de Israel, pode tomar a forma de uma confrontação importante com um poder religioso que cresce e se alia á extrema direita afrontando a liberdade e a democracia.

Viver a experiência de um estar judaico dentro de uma cerimônia de Shabat usando uma kipá e entoando cânticos não faz de mim um crente, mas, sem dúvida, me transporta a uma experiência de tempo que me toca a alma e me conecta a uma corrente de significados que a razão não pode explicar e que nada tem a ver com fé ou religiosidade. Como costuma dizer um amigo mais sábio do que eu, o judaísmo é a única religião que admite ateus.



Shabat Shalom.

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Respostas a este tópico

Caro melamed.

Seria tb. uma crença por acreditar, esta certeza de que lendo seu artigo, não me sinto só? E não me sentir só seria confirmação ou consolo para a crença nas crenças que estão em comunhão?

Vc. e a bela Thaís, acabam de me ajudar a entender um antigo conflito.  Agora posso me afirmar um crente tb.

"Inê matov umanaim shevet achim gam iachad". Seria disso que falavam nossos sábios, ao louvar o extâse da comunhão?

Não seria, então correto concluir, que a arquitetura do tempo, tem seus alicereres nesta dinãmica da crença nas crenças?

Ateu ou não, até em Deus posso pensar em acreditar, se achar que ele é parte desta maravilhosa arquitetura.

Shabat Shalom

Elias


Caro Elias ,antes de mais nada briut ve parnasá tova ve harbe simcha neste teu aniversário.Nao sabia que eras meu vizinho...A tua ideia da comunhão como um portal do tempo é uma visão bem coerente co  aideia de experiencia afetiva,concordo plenamente.Só acho q não pecisamos reduzir esta experiência de comunhão ao único alicerce embora os ritos tambem estejam ligados ao viver grupal.No entanto podem haver outras.A tua mais q pergunat é uma kushia muito boa que me leva a ter que pensar mais nas coisas q escrevi e desenvolver outras reflexões. Como bo judeu só me resta agradecer pela Kushia. Agora é a minha vez. Gostaria q vc refletisse sobre o final do artigo e a questão das diferenças entre Israel e nós no q diz respeito a esta necessidade Yaakov Malkin do Tmura de se afirmar ateu.Dá uma lida lá e manda atua reflexão.Grande abraço. Paulo
Elias Salgado disse:

Caro melamed.

Seria tb. uma crença por acreditar, esta certeza de que lendo seu artigo, não me sinto só? E não me sentir só seria confirmação ou consolo para a crença nas crendoças que estão em comunhão?

Vc. e a bela Thaís, acabam de me ajudar a entender um antigo conflito.  Agora posso me afirmar um crente tb.

"Inê matov umanaim shevet achim gam iachad". Seria disso que falavam nossos sábios, ao louvar o extâse da comunhão?

Não seria, então correto concluir, que a arquitetura do tempo, tem seus alicereres nesta dinãmica da crença nas crenças?

Ateu ou não, até em Deus posso pensar em acreditar, se achar que ele é parte desta maravilhosa arquitetura.

Shabat Shalom

Elias

Querido melamed, sim q. spmos vizinhos...Estou cabrero com esteblog ( ou seria problema de usuário?), pois o sacana não registrou, ou mandou sei lá pta onde , a mensagem q. te enviei no teu níver -atrasado cronoógicamente, apenas, te retribuo decoração -Kol Tuv  pra vc. tb.

Paulo, me sá um tempinho, q. te prometo q. vou ler e tentar te responder,ok.

Abs.

Elias

Paulo Blank disse:


Caro Elias ,antes de mais nada briut ve parnasá tova ve harbe simcha neste teu aniversário.Nao sabia que eras meu vizinho...A tua ideia da comunhão como um portal do tempo é uma visão bem coerente co  aideia de experiencia afetiva,concordo plenamente.Só acho q não pecisamos reduzir esta experiência de comunhão ao único alicerce embora os ritos tambem estejam ligados ao viver grupal.No entanto podem haver outras.A tua mais q pergunat é uma kushia muito boa que me leva a ter que pensar mais nas coisas q escrevi e desenvolver outras reflexões. Como bo judeu só me resta agradecer pela Kushia. Agora é a minha vez. Gostaria q vc refletisse sobre o final do artigo e a questão das diferenças entre Israel e nós no q diz respeito a esta necessidade Yaakov Malkin do Tmura de se afirmar ateu.Dá uma lida lá e manda atua reflexão.Grande abraço. Paulo
Elias Salgado disse:

Caro melamed.

Seria tb. uma crença por acreditar, esta certeza de que lendo seu artigo, não me sinto só? E não me sentir só seria confirmação ou consolo para a crença nas crendoças que estão em comunhão?

Vc. e a bela Thaís, acabam de me ajudar a entender um antigo conflito.  Agora posso me afirmar um crente tb.

"Inê matov umanaim shevet achim gam iachad". Seria disso que falavam nossos sábios, ao louvar o extâse da comunhão?

Não seria, então correto concluir, que a arquitetura do tempo, tem seus alicereres nesta dinãmica da crença nas crenças?

Ateu ou não, até em Deus posso pensar em acreditar, se achar que ele é parte desta maravilhosa arquitetura.

Shabat Shalom

Elias

Paulo, bom dia.

Sabe o q. me ocorre quando vejo as colocações e atitudes de movimentoa humanistas israelenses, a exemplo daTmurá? Me faz lembrar todo o esforço do sionismo socialista dos pioneiros construtores do estado judeu, que voltaram as costas para milenios de diáspora, com o objetivo de "apagar" todo vestígio de um rico judaísmo diaspórico e foram "engolidos" pela realidade da riqueza de um judaismo multifacetário cultural e etnicamente falando, mas cujas bases tradicionais e religiosas são as mesmas. - judaísmo puro e simples.

Além disso, este processo interno israelense, tanto a nível do político ( q. é o seu apelo maior), quanto de uma maneira judaico humanista de ser, muitas vezes me soa novamente, como apenas uma tentativa de se diferenciar/contestar a religião"oficial"( especificamente em sua faceta fundamentalista).

Estou plenamente de acordo, em parte, com a legitimidade de uma luta política humanista que faça retroceder o processo fundamentalista,mas temo que se cometam excessos e se repitam erros  em Israel, como no caso dos cometidos pelo movimento "chiloni"(secular), no passado, como citei antes.

Para nós que vivemos fora de Israel, cabe não "comprar" o pacote da forma como ele vem. Separar o joio do trigo é um bom princípio. Acho uma vantagem nossa ( dos da diáspora) que não estamos pressionados pela necessde de nos impor e tentar preponderar tb. como força política.

Lembro q. um dos nossos raciocínios, não era necessariamente a preocupação com o avanço da ortodoxia por aqui, mas sim a constatação de q. existe um enorme universo de pessoas q.não "se encaixam" nos modelos/propostas q. temos em nossa "praça", e o fato de sua existênciaé que determina nossa realidade/possibilidades de ter com quem trocar, dialogar, atuar e tentar mudar as coisas, sem amarras em excesso, de forma lenta, gradual e principalmente natural

Abs.

Elias

Elias seria mto legal q este textofosse lido pela maior parte dos JHs vc sabe como fazer isto?

Elias Salgado disse:

Paulo, bom dia.

Sabe o q. me ocorre quando vejo as colocações e atitudes de movimentoa humanistas israelenses, a exemplo daTmurá? Me faz lembrar todo o esforço do sionismo socialista dos pioneiros construtores do estado judeu, que voltaram as costas para milenios de diáspora, com o objetivo de "apagar" todo vestígio de um rico judaísmo diaspórico e foram "engolidos" pela realidade da riqueza de um judaismo multifacetário cultural e etnicamente falando, mas cujas bases tradicionais e religiosas são as mesmas. - judaísmo puro e simples.

Além disso, este processo interno israelense, tanto a nível do político ( q. é o seu apelo maior), quanto de uma maneira judaico humanista de ser, muitas vezes me soa novamente, como apenas uma tentativa de se diferenciar/contestar a religião"oficial"( especificamente em sua faceta fundamentalista).

Estou plenamente de acordo, em parte, com a legitimidade de uma luta política humanista que faça retroceder o processo fundamentalista,mas temo que se cometam excessos e se repitam erros  em Israel, como no caso dos cometidos pelo movimento "chiloni"(secular), no passado, como citei antes.

Para nós que vivemos fora de Israel, cabe não "comprar" o pacote da forma como ele vem. Separar o joio do trigo é um bom princípio. Acho uma vantagem nossa ( dos da diáspora) que não estamos pressionados pela necessde de nos impor e tentar preponderar tb. como força política.

Lembro q. um dos nossos raciocínios, não era necessariamente a preocupação com o avanço da ortodoxia por aqui, mas sim a constatação de q. existe um enorme universo de pessoas q.não "se encaixam" nos modelos/propostas q. temos em nossa "praça", e o fato de sua existênciaé que determina nossa realidade/possibilidades de ter com quem trocar, dialogar, atuar e tentar mudar as coisas, sem amarras em excesso, de forma lenta, gradual e principalmente natural

Abs.

Elias

Caros Paulo e Elias

Vim ler, puxado pela mão pelo Paulo. Li e reli. Gostei muito, muito. Tive o ímpeto de imprimir para distribuí-lo hoje no Shabat. Ao reler hoje de manhã, me pareceu que ainda não é hora. Há algumas coisas que antecedem o texto (a questã dos rabinos seculares, por exemplo), e que são desconhecidas para a maioria. Acho que o texto, para ser compreendido, precisará ser completado com esse contexto que lhe dá sentido. Já escrevi mais coisas que ainda não vou incluir aqui, para poder trabalhá-las melhor, no fim de semana. Considero este um texto (re)fundador para o JH e, mantendo, é claro, a autoria do Paulo, acho que devemos contribuir para arredondá-lo.

Tive uma preocupação ("mixed feelings") com uma frase do Elias:

" Lembro q. um dos nossos raciocínios, não era necessariamente a preocupação com o avanço da ortodoxia por aqui, mas sim a constatação de q. existe um enorme universo de pessoas q.não "se encaixam" nos modelos/propostas q. temos em nossa "praça", e o fato de sua existência é que determina nossa realidade/possibilidades de ter com quem trocar, dialogar, atuar e tentar mudar as coisas, sem amarras em excesso, de forma lenta, gradual e principalmente natural".

Por um lado, eu acho uma sacação brilhante, que dá contornos do que é o nosso "mercado" específico. Por outro lado, temo que ter em vista este enorme universo nos obriga a buscar respostas a demandas que somente os ortodoxos ou os místicos cabalistas poderão atender. Eu não me sinto nem um pouco à vontade nesse terreno, e nada tem a ver com a minha identidade judaica. Meu judaísmo é ético, histórico e político, nem um pouco místico. Minhas necessidades espirituais têm sido atendidas em outras praias, não na Torá. Então, dentro dessa proposição, eu estaria fora, a não ser dentro dos limites de um judaísmo universalista como o de Buber, Heschel e Levinas. Eu não iria buscar inspiração em Parashot que, algumas, falam do massacre de amalequitas. Sinto repulsa em relação a isso, e acho importante demarcar bem no JH quais são estes limites. Não tenho dúvidas de que não estamos sozinhos, e de que encontraremos gente que já passou por essas trilhas no movimento Tikkun, no Tzavta e em outros.

Bem, de qualquer forma, Paulo e Elias, estou com vocês na busca de uma definição identitária que, como conversei ontem com o Jayme, é urgente que tenhamos. Acho que não podemos continuar abertos para todos, pois isso abre o flanco para energias muito negativas, como aquele cara que vem colocando textos agressivos no sentido de deslegitimar Israel. Isso não pode estar aqui, nem aquele cara que veio dizer que Israel não pode ser para os hereges. Nossa abertura tem que ter limites, e isso coloca o desafio organizacional de evoluirmos para um grau mínimo de institucionalidade que dê legitimidade para estabelecer esses limites. Precisamos, por exemplo, de uma Carta de Princípios cuja adesão seja requerida para a pessoa poder estar aqui. Se isso não for feito rapidamente, os riscos que corremos são enormes: de sermos vistos como mais uma lista de discussão sem responsabilidade, e que não deve ser levada a sério. Eu já vi esse filme algumas vezes.

Aproveito para compartilhar uma frase que gosto muito, do meu rebe:

"To celebrate is to contemplate the singularity of the moment and to enhance the singularity of the self. What was shall not be again. The man of our time is losing the power of celebration. Instead of celebrating, he seeks to be amused or entertained. Celebration is an active state, an act of expressing reverence or appreciation. To be entertained is a passive state--it is to receive pleasure afforded by an amusing act or spectacle. Celebration is a confrontation, giving attention to the transcendent meaning of one's actions."            --Abraham Joshua Heschel

Aliás, vocês leram um capítulo de Heschel que tem exatamente o nome de "Uma arquitetura do tempo"? Maravilhoso.

No que diz respeito à forma como o texto me tocou, confesso que não entendi tudo. A vivência espiritual que o Paulo descreve é para mim uma coisa que tenho vivenciado de forma menos intensa, e eu gostaria de entender melhor os matizes e relacionar com essas minhas vivências.

 

Bem, vou completar esse comentário no fim de semana. Ainda tem um bocado.

Um grande abraço a vocês, e me senti irmanado nessa conversa. Quero mais.

 

Queridos Sérgio, Paulo e Elias.

Quando leio seus comentários, é, de vocês três... Agradeço a D'us por estar tendo a oportunidade de aprender com homens, que mesmo sem querer, são tão devotos! Mas, uma Devoção isenta da obrigatoriedade da hipocrisia dogmática, que se faz nobre quando permite transparecer suas características refinadas, distantes da realidade de um judaísmo que esqueceu suas origens. Me sinto privilegiado, porque sou Humanista e Religioso, porque creio na Ciência sem perder a Fé.

 Chesed v'Shalom Alechem !

 

                                              Marcelo Barzilai.

Sérgio Storch disse:

Caros Paulo e Elias

Vim ler, puxado pela mão pelo Paulo. Li e reli. Gostei muito, muito. Tive o ímpeto de imprimir para distribuí-lo hoje no Shabat. Ao reler hoje de manhã, me pareceu que ainda não é hora. Há algumas coisas que antecedem o texto (a questã dos rabinos seculares, por exemplo), e que são desconhecidas para a maioria. Acho que o texto, para ser compreendido, precisará ser completado com esse contexto que lhe dá sentido. Já escrevi mais coisas que ainda não vou incluir aqui, para poder trabalhá-las melhor, no fim de semana. Considero este um texto (re)fundador para o JH e, mantendo, é claro, a autoria do Paulo, acho que devemos contribuir para arredondá-lo.

Tive uma preocupação ("mixed feelings") com uma frase do Elias:

" Lembro q. um dos nossos raciocínios, não era necessariamente a preocupação com o avanço da ortodoxia por aqui, mas sim a constatação de q. existe um enorme universo de pessoas q.não "se encaixam" nos modelos/propostas q. temos em nossa "praça", e o fato de sua existência é que determina nossa realidade/possibilidades de ter com quem trocar, dialogar, atuar e tentar mudar as coisas, sem amarras em excesso, de forma lenta, gradual e principalmente natural".

Por um lado, eu acho uma sacação brilhante, que dá contornos do que é o nosso "mercado" específico. Por outro lado, temo que ter em vista este enorme universo nos obriga a buscar respostas a demandas que somente os ortodoxos ou os místicos cabalistas poderão atender. Eu não me sinto nem um pouco à vontade nesse terreno, e nada tem a ver com a minha identidade judaica. Meu judaísmo é ético, histórico e político, nem um pouco místico. Minhas necessidades espirituais têm sido atendidas em outras praias, não na Torá. Então, dentro dessa proposição, eu estaria fora, a não ser dentro dos limites de um judaísmo universalista como o de Buber, Heschel e Levinas. Eu não iria buscar inspiração em Parashot que, algumas, falam do massacre de amalequitas. Sinto repulsa em relação a isso, e acho importante demarcar bem no JH quais são estes limites. Não tenho dúvidas de que não estamos sozinhos, e de que encontraremos gente que já passou por essas trilhas no movimento Tikkun, no Tzavta e em outros.

Bem, de qualquer forma, Paulo e Elias, estou com vocês na busca de uma definição identitária que, como conversei ontem com o Jayme, é urgente que tenhamos. Acho que não podemos continuar abertos para todos, pois isso abre o flanco para energias muito negativas, como aquele cara que vem colocando textos agressivos no sentido de deslegitimar Israel. Isso não pode estar aqui, nem aquele cara que veio dizer que Israel não pode ser para os hereges. Nossa abertura tem que ter limites, e isso coloca o desafio organizacional de evoluirmos para um grau mínimo de institucionalidade que dê legitimidade para estabelecer esses limites. Precisamos, por exemplo, de uma Carta de Princípios cuja adesão seja requerida para a pessoa poder estar aqui. Se isso não for feito rapidamente, os riscos que corremos são enormes: de sermos vistos como mais uma lista de discussão sem responsabilidade, e que não deve ser levada a sério. Eu já vi esse filme algumas vezes.

Aproveito para compartilhar uma frase que gosto muito, do meu rebe:

"To celebrate is to contemplate the singularity of the moment and to enhance the singularity of the self. What was shall not be again. The man of our time is losing the power of celebration. Instead of celebrating, he seeks to be amused or entertained. Celebration is an active state, an act of expressing reverence or appreciation. To be entertained is a passive state--it is to receive pleasure afforded by an amusing act or spectacle. Celebration is a confrontation, giving attention to the transcendent meaning of one's actions."            --Abraham Joshua Heschel

Aliás, vocês leram um capítulo de Heschel que tem exatamente o nome de "Uma arquitetura do tempo"? Maravilhoso.

No que diz respeito à forma como o texto me tocou, confesso que não entendi tudo. A vivência espiritual que o Paulo descreve é para mim uma coisa que tenho vivenciado de forma menos intensa, e eu gostaria de entender melhor os matizes e relacionar com essas minhas vivências.

 

Bem, vou completar esse comentário no fim de semana. Ainda tem um bocado.

Um grande abraço a vocês, e me senti irmanado nessa conversa. Quero mais.

 

Olá caros amigos, Paulo, Sérgio, Marcelo e Elias.

 

Apesar de desconhecer algumas informações dadas, gostaria de demonstrar a minha visão acerca do tema e consequentemente a minha visão a respeito das práticas judáicas que eu procuro uma maneira de aprender e seguir.

 

O que pensei lendo este artigo, foi que aos poucos vamos nos esquecendo do que realmente importa, passamos a vida sem ver a vida, como dois estranhos que vivem juntos, isso no aspecto social e vivencial.

 

Tratando dos rituais, pelo pouco que estudei a respeito, foram formas de que pessoas de uma mesma designação ou de uma mesma localidade, se agrupassem para confraternizar, foi com o advento da igreja que os ritos religiosos se tornaram obrigatórios e desgastantes.

 

Os ritos foram transformados em lamúrias, queixas e pedidos, fato esse que me afastou de qualquer igreja, hoje não frequento mais nenhum local que se denomine igreja, não por que não acredito em Deus mas sim por saber que lá, Deus não estará.

 

Sempre tive comigo que sentir a presença de Deus, a sua vontade, seja na nascer de uma planta, numa queda de uma folha, devia ser algo sublime, algo que sabemos que foi projetado por Deus e que insistimos em dar créditos a gravidade, como se a mesma tivesse surgido do nada.

 

Costumo afirmar aos meus amigos que se Deus está em tudo e não podemos vê-lo e se o átomo está em tudo e também não podemos vê-lo, logo chego a conclusão que a prova da presença de Deus em nossas vidas é dada pela presença do átomo. Alguns riem, outros concordam, mas, todos pensam a respeito.

 

Dito isso meus amigos, não sei se é o certo ou não, sei que precisamos re-aprender a ouvir e a ver o que Deus nos diz e nos mostra, para podermos contemplar a grandeza de seus feitos e aí sim aprendermos que fazemos parte de um plano muito maior e que não devemos nos sentir excluídos ou no direito de promover exclusões.

 

Agradeço a atenção de todos, fiquem à vontade de concordar ou discordar destas opiniões, pois acredito que nos debates é aonde mora o entendimento e o aprendizado.

 

Um abraço a todos.

 

Rafael Augusto

Paulo e Elias, adorei a discussão. Vou meter meu bedelho. Para mim tomar a confiança (não 'crença') como mãe da fé não é reduzir a fé a algo "menor". Porque o contrário é que acontece: Se imaginarmos uma relação primária entre o ser humano recém nascido e a mãe veremos que nada há de mais vital, mais natural, mais animal, que essa experiência de acreditar numa pessoa protetora, uma pessoa que possibilita a vida. Que garante a vida (até onde lhe for possível, claro). Que depois essa confiança se espalhe e se alargue para abranger o gênero humano e sua produção não material é falar do processo duplo em que um membro da espécie humana se torna humano no sentido subjetivo da palavra. O fato de que cada grupo social construíu suas próprias catedrais com as mesmíssimas fundações e os mesmíssimos objetivos simplesmente nos comprova quão extraordinário é esse gênero humano ao qual pertencemos. E pensar que a crença do bebê na mãe (que chamamos, geralmente, de amor) é a base para a crença num ser divino torna a crença no Divino mais carnal, mais imanente, mais concreta. E que essa crença possa abranger as pessoas em volta, com as quais nos identificamos (vide Lévinas) porque as percebemos como tendo sido 'criadas pelo mesmo Criador' nos proporciona uma sensação de segurança que a Natureza não fornece aos outros seres vivos.

Eu leio a frase assim: 'Amarás a teu próximo como (amas) a ti mesmo' - tornando o 'amarás a ti mesmo' como o PRIMEIRO mandamento. 
Grande abraço fraterno a vocês dois.
Davy.

Caro Paulo,

Uma grande postagem para reflexão neste Shabat. Para mim o fechamento de seu artigo fala muito (todo o paragrafo). Você conclui com uma afirmação sábia de seu amigo  "O Judaísmo é a única religião que admite ateus". É bom que seja assim, porque o Judaísmo reconhece que o livre-arbítrio é a linguagem da alma. No Talmud sabiamente está escrito que "a mente de cada pessoa é tão única quanto a sua face". 

Shabat Shalom!

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